A leitura é um hábito que vai além dos benefícios intelectuais. É um ato que também pode atuar sobre os estados emocionais e psicológicos do leitor, tornando-se uma poderosa aliada da saúde mental. É o que propõe a chamada biblioterapia, que ao sistematizar as práticas de leitura literária, pode ser orientada para fins terapêuticos. A professora universitária e escritora Edna Rangel é uma entusiasta e adepta da prática. Há dez anos ela já aplicava o “tratamento” junto a idosos, pacientes com câncer e presidiárias, tendo ótimos resultados, além de ministrar oficinas com alunos da UFRN.
A biblioterapia, segundo Edna, auxilia no processo de reelaboração de questões internas, e de como a pessoa pode se relacionar socialmente. “Na biblioterapia, a leitura tem muita influência no emocional. Quem nunca chorou com a leitura de um texto, um poema, uma canção? Essa é a porta que indicamos e ajudamos o leitor a abrir, adentrar e se curar, buscando alívio para diversas angústias e inquietações”, afirma.
A relação da professora com a biblioterapia começou na década passada, quando ela e mais duas colegas de graduação em Letras iniciaram o projeto de extensão “Leitura além da sala de aula”, que aplicava os fundamentos da prática em hospitais, na ala feminina do presídio João Chaves, e no asilo de idosos Juvino Barreto, lendo para grupos distintos e obtendo resultados positivos. O trabalho de conclusão de curso acabou se transformando numa missão.
O poder da leitura sobre a saúde emocional foi constatado nos mais diversos contextos, ambientes e grupos. Na João Chaves, por exemplo, Edna conta que a leitura ajudou na ressocialização das detentas, bem como no tratamento da ansiedade. Para as crianças do Varela Santiago, contribuiu para acalmar, tranquilizar, dar suporte, e facilitar os tratamentos – muitas vezes dolorosos.
Já com os pacientes adultos do Hospital Luiz Antônio, o objetivo da biblioterapia era oferecer ânimo, consolo e calma, tirar a ansiedade e minimizar os efeitos da depressão, decorrentes de todo o contexto da doença. E para os idosos do Juvino Barreto, possibilitou a verbalização de memórias antigas, trazendo mais alegria e calma entre os moradores do local.
O projeto existiu durante oito anos, até que outro momento fez Edna retomar suas terapias literárias: a pandemia. “Durante esse período, nas aulas remotas da UFRN, eu ‘atendia’ muitos alunos com crises fortes de ansiedade, síndrome do pânico, depressão e patologias afins. Eu conversava com eles e enviava textos com vistas a provocar relaxamento, na medida do possível”, diz.
Biblioterapia na prática
Ao retomar as aulas presenciais, a professora notou que, além das patologias emocionais, muitos alunos também estavam apresentando dificuldade para entender o que estavam lendo. Foi assim que ela voltou às rodas de leitura terapêutica coordenando o projeto “Biblioterapia na Prática”, que convoca os estudantes a perceber o mundo e a si mesmos através da literatura.
A ação propõe criar um espaço em que os alunos possam socializar e debater sobre dificuldades de leitura compreensiva, discutir acerca de textos, e desenvolver crenças expansivas a respeito de si mesmos. A dinâmica de leitura biblioterápica reuniu em 2022 turmas animadas com até 60 estudantes de variados cursos – não só de humanas.
Segundo a professora, muitos discentes relataram que a partir das leituras e discussões dos textos, passaram a ver suas vidas de forma diferente, com consciência das responsabilidades consigo mesmo, e se abrindo para pensar nos próprios erros e limitações. Edna ressalta que a biblioterapia pode ser realizada com qualquer grupo, dentro ou fora das escolas e universidades, onde existir alguém precisando, além de uma pessoa para conduzir, com um mínimo de compreensão do assunto.
A estudante de Ciência & Tecnologia, Taís Anniê, participou do projeto e afirma que é muito mais que só ler um livro. “É realmente uma terapia. Discutir com outras pessoas e ver as diferentes interpretações e como elas se viam dentro dos textos e personagens, é muito bom”, diz. Ela destaca o livro “O cavaleiro preso na armadura”, de Robert Fisher, que lhe apresentou ensinamentos que ela pôde pôr em prática no dia-a-dia. Além das “terapias”, Taís ressalta a oportunidade de conhecer novos autores e aumentar o conhecimento literário.
O aluno Varelo Neto, também de C&T, conta que z biblioterapia lhe ajudou contra a ansiedade. A oficina lhe fez esquecer problemas externos e também enfrentar a timidez. Ele releu “Homo Deus”, de Yuval Harari, e teve uma visão inteiramente nova sobre o livro. “A obra me fez refletir muito sobre coisas como meu estilo de vida atual, aproveitar meu tempo, e melhorar”.
Tribuna do Norte