O diagnóstico precoce do câncer pode aumentar consideravelmente as chances de cura, mas muitos tumores são detectados em estágio avançado. Para otimizar a identificação de tumores, um ex-aluno da Universidade de Brasília (UnB) trabalha na criação de uma técnica de análise mais refinada do que as utilizadas atualmente. Para isso, combinou princípios da biópsia líquida, um exame de identificação de sinais de cancros em amostras de sangue, com modelos de inteligência artificial. Os resultados foram publicados na última edição da revista britânica Nature.
Daniel de Carvalho, pesquisador no Centro de Pesquisa do Câncer Princess Margaret e professor-associado da Universidade do Canadá, em Toronto, ilustra alguns tipos da doença que poderão ser contemplados pelo método. “Temos vários tipos de tumores, como o de pulmão, que, quando detectados cedo, as chances de cura são de 100%. Mas a maioria deles é descoberta quando está em estágio avançado. O mesmo ocorre no tumor de intestino”, diz ao Correio o líder do estudo.
O pesquisador brasileiro e a equipe usaram uma estratégia diferente da utilizada em exames de biópsia líquida, que buscam mutações genéticas consideradas indicadores de cânceres. “Como muitos tumores têm as mesmas mutações, isso dificulta na definição da origem do cancro, ou seja, onde ele está. É como procurar uma agulha no palheiro”, ilustra.
A equipe focou em alterações epigenéticas, chamadas DNA derivado, que ligam e desligam o gene. “Elas são a impressão digital de cada célula, o que ajuda a diferenciá-las. São as alterações epigenéticas que permitem determinar se a célula vai ser ligada ao fígado ou a pele, por exemplo”, explica.
Com o mapeamento das alterações epigenéticas, os cientistas conseguiram identificar milhares de modificações específicas para cada tipo de câncer. Ou seja, em qual parte do corpo está a célula com risco de ser comprometida pela doença. Usando sistemas de inteligência artificial, eles criaram marcadores que apontam para a presença de DNA derivado de tumores cancerígenos no sangue.
Depois, usando amostras de sangue, a equipe rastreou a origem e o tipo do câncer comparando material colhido de 300 pacientes em tratamento contra sete tipos da doença (de pulmão, pancreático, colorretal, de mama, leucemia, de bexiga e renal) com amostras retiradas de voluntários saudáveis. Foram identificados mais de 700 tumores. “Com esse modelo, o computador aprendeu a distinguir o sangue de alguém saudável do sangue de uma pessoa com câncer. O processo se tornou mais fácil. Agora, é como procurar milhares de agulhas no palheiro”, ilustra Daniel de Carvalho.
José Eduardo Levi, biólogo molecular do Laboratório Exame, em Brasília, acredita que a pesquisa se destaca pelo uso das alterações epigenéticas na análise, permitindo, assim, o diagnóstico precoce da doença. “Essas modificações epigenéticas descritas pelos cientistas ocorrem antes das modificações do câncer. Então, do ponto de vista de prevenção e tratamento, o uso delas é muito mais vantajoso.” O biólogo conta que, hoje, a biópsia líquida é muito explorada como exame em indivíduos que já sabem que têm a doença. “Nesse caso, ela serve mais como monitoramento do tratamento, tem outra utilidade”, explica.
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Daniel de Carvalho adianta que a próxima etapa do desenvolvimento da técnica será a análise de dados em uma população de pacientes mais ampla. Essa fase será coordenada com pesquisas, em andamento em diversos países, de estudo de bancos de dados de amostras sanguíneas coletadas meses e até anos antes de um diagnóstico de câncer. A técnica também precisará passar por uma validação final para que a detecção precoce da doença seja reforçada. “Agora que temos mais confiança, após mostrar que é possível identificar os tumores precocemente com esse modelo, queremos aumentar a nossa amostra. Chegar a mil pacientes analisados é um dos nossos objetivos”, diz.
Segundo José Eduardo Levi, uma análise mais ampla é necessária para o desenvolvimento do método de diagnóstico. “É importante observá-lo em um número maior de pessoas, e acompanhá-las de perto”, frisa. “Acredito que esse tipo de tecnologia pode ser uma opção concreta no futuro, mesmo que demore um pouco devido à necessidade de testes e à metodologia envolvida. Creio que entre, cinco e 10 anos, isso possa se tornar realidade”, aposta.
Correio Braziliense