Frase, desgastada pelo uso, significa rompimento das regras do jogo, como em golpes ou interferência indevida de um Poder em outro. Para alguns especialistas ouvidos pelo ‘Nexo’, instituições no Brasil estão funcionando bem, mas outros veem risco.
Já faz mais de um ano, desde que o impeachment de Dilma Rousseff entrou na pauta política, que a expressão “crise institucional” ou “risco de crise institucional” aparece em declarações de figuras públicas brasileiras.
“O impeachment é impensável, geraria uma crise institucional. Não tem base jurídica e nem política”
Michel Temer
Então vice-presidente da República, em março de 2015, quando ainda não havia aderido à ideia de derrubar a então titular do Palácio do Planalto
De lá para cá, o então líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (MS), foi preso em pleno exercício do cargo, Dilma foi tirada da Presidência da República pelo Congresso e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi afastado do comando da Câmara, teve o mandato cassado e foi preso.
Na terça-feira (6), um novo fato se juntou à lista. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se recusou a obedecer a uma ordem de um ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, para que deixasse o cargo. O clima de confronto entre as instituições esfriou na quarta-feira (7), após o plenário do Supremo manter Renan no cargo de presidente do Senado.
O Nexo conversou com professores de Direito para explicar o que, afinal, são instituições, como elas sobrevivem a choques entre si e quando um país enfrenta crise institucional.
O que são instituições
São órgãos ou regras fundamentais que organizam como o Estado e a sociedade funcionam, e como o poder é exercido e controlado.
O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, por exemplo, são instituições. Cada um desses Poderes desempenha um papel determinado pela Constituição.
Da mesma forma, são instituições a figura do presidente da República, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal.
As eleições periódicas também são uma instituição do nosso regime político. E há instituições da sociedade civil, como os partidos políticos, as igrejas e a imprensa.
“Uma sociedade só é desenvolvida quando tem instituições, quando há regras estáveis do jogo, aceitas como legítimas pelas pessoas e efetivamente aplicadas pelas organizações”
Carlos Ari Sundfeld
Professor da FGV Direito SP
Como instituições resolvem conflitos entre si
A Constituição distribuiu os poderes entre as instituições de forma a criar um sistema de controle recíproco. Esse modelo às vezes gera tensões e resistências, mas que não chegam a quebrar o sistema, diz Carlos Ari Sundfeld, professor da Faculdade de Direito de São Paulo da FGV.
Uma situação na qual há atrito entre instituições é o controle da constitucionalidade das leis. O Legislativo é responsável pela redação e aprovação das normas, mas se alguma delas viola a Constituição, os ministros do Supremo podem declará-la nula. Os congressistas costumam reclamar desse tipo de decisão da Corte, mas em geral a acatam.
Para a constitucionalista Mônica Herman, professora da USP e do Mackenzie, o impeachment de Dilma seria um exemplo de conflito grave entre Poderes resolvido dentro da ordem jurídica. “Não houve dissolução do Congresso, não houve a captura do Executivo nem uma redução do poder do Judiciário”, diz.
A posição de Herman é contestada por apoiadores da petista, que entendem ter havido um “golpe” conduzido pelo Legislativo e setores da sociedade contra a ex-presidente.
A abertura de inquéritos contra deputados e senadores investigados na Operação Lava Jato é outro mecanismo de controle recíproco. Cabe ao Ministério Público, que é ligado ao Poder Executivo, investigar e apresentar denúncias contra membros do Poder Legislativo, que serão então julgados pelo Poder Judiciário.
“Um Poder não depende do outro, mas das normas constitucionais. Se o agente de uma instituição não obedecer a esse sistema, fica sujeito a ser responsabilizado”
Dalmo Dallari
Professor emérito de Direito da USP
Quando há crise institucional
A frase se tornou desgatada pelo uso, mas, segundo os professores ouvidos pelo Nexo, ela significa o rompimento das regras do jogo.
Nessas situações, pode haver um retorno à normalidade, esfriando a crise, ou a permanência do conflito até que se mudem as regras em vigor, levando à criação de uma nova ordem institucional.
Em 1964, por exemplo, as Forças Armadas depuseram o presidente João Goulart do seu cargo, sem que houvesse uma previsão legal para isso. Foi um ato de força, que levou a uma nova ordem, diz Sundfeld.
Nem sempre há o envolvimento de militares em crises institucionais. O professor da FGV cita o exemplo da Venezuela, onde juízes alinhados ao presidente Nicolás Maduro “suprimiram o mandato” de parlamentares de oposição ao governo.
“O início das crises institucionais é perigoso para a própria democracia, que funciona com todos respeitando a Constituição. A democracia é um regime frágil e exigente com cada um de nós e com as instituições”
Mônica Herman
Professora de Direito da USP e do Mackenzie
O Brasil se encaixa nessa situação?
Para a maioria dos professores ouvidos pelo Nexo, o país não enfrenta uma crise institucional neste momento.
A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, de afastar Renan Calheiros do cargo de presidente do Senado, em liminar, sem ouvir o plenário da Corte, é “atípica”, diz Herman. Assim como foi “atípica” a reação da mesa diretora do Senado de manter Renan no cargo de presidente até que houvesse decisão do plenário do Supremo.
Virgílio Afonso da Silva, professor de Direito da USP, segue linha semelhante. Ao Nexo, afirmou que é cedo para falar em crise.
“Há claramente uma tensão, mas me parece ainda inapropriado falar em crise institucional”
Virgílio Afonso da Silva
Professor de Direito da USP
O professor emérito da Faculdade de Direito da USP Dalmo Dallari define os atuais conflitos entre instituições brasileiras como fruto de “alguns abusos, alguns exageros”. Ele inclui nessa leitura a reação do Ministério Público e do Judiciário à possibilidade de aprovação de uma lei sobre crimes de abuso de autoridade cometidos por magistrados, promotores e procuradores.
Sundfeld, da FGV Direito SP, é otimista. Para ele, as instituições no Brasil “estão funcionando como nunca”, com Judiciário, Ministério Público e polícia apurando crimes e encarcerando criminosos do alto empresariado e da alta política. O que há, segundo ele, é uma crise do modelo de conduta adotado por parte dos políticos, “personalista e por vezes criminosa”. Para ele, nada leva a crer que parte da classe política vá impedir que a Justiça se realize.
“É o contrário: nunca foi tão provável que resistências pontuais sejam derrubadas pelas instituições: basta pensar no caso de Eduardo Cunha, político muito poderoso e presidente da Câmara dos Deputados, que acabou só, preso em Curitiba, e hoje é um fantasma”
Carlos Ari Sundfeld
Professor da FGV Direito SP
Há quem veja crise institucional
Outros especialistas, contudo, entendem que o país atravessa sim uma espécie de crise institucional. Marcelo Figueiredo, professor de direito constitucional da PUC-SP, afirmou ao Nexo que a crise institucional acontece pela perda de legitimidade dos partidos e de parte da classe política.
“Há uma série de elementos que fazem com que haja uma perda de legitimidade geral das instituições brasileiras. Isso afeta todas as relações, inclusive as relações entre os Poderes”
Marcelo Figueiredo
Professor de direito da PUC-SP
Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP, disse ao jornal “Folha de S.Paulo” que a negativa de Renan Calheiros em obedecer à decisão do ministro Marco Aurélio Mello revela uma “deterioração das instituições”, que “não estão mais conseguindo lidar com a crise”:
“Pode parecer um clichê, mas as instituições estão em frangalhos”
Eloísa Machado
Professora da FGV Direito SP, em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”
Rafael Mafei, professor de Direito da USP, prefere não usar a palavra “crise institucional”, mas diz ao Nexo que as instituições estão em “franco conflito”.
“O que vivemos hoje está longe de ser sadio, a não ser para quem entenda que a atual ordem constitucional deve ser destruída e uma nova deve vir em seu lugar. É esse o caminho pelo qual nossas lideranças, as políticas e as jurídicas, nos estão conduzindo”
Rafael Mafei
Professor de Direito da USP
Via: /www.nexojornal.com.br