O juiz Sergio Moro aceitou o pedido dos procuradores que comandam as investigações da Lava Jato e decretou a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Ele é acusado de receber propina do esquema da Petrobras em contas na Suíça.
A prisão acontece seis dias após Moro retomar o processo que recebeu do Supremo Tribunal Federal. A Corte julgava o caso quando Cunha tinha foro privilegiado, direito que perdeu ao ter o mandato cassado pela Câmara, em 13 de setembro.
Cunha foi preso em Brasília, no início da tarde de quarta-feira (19), e em seguida foi transferido para Curitiba, onde deve ficar preso em uma cela separada de outros investigados na Lava Jato. Sua esposa, Cláudia Cruz, também ré no processo, não foi alvo de qualquer ação na operação.
No decreto, Moro autorizou:
Prisão preventiva (por tempo indeterminado)
Busca e apreensão na sua casa no Rio de Janeiro
Bloqueio de bens (carros) que teriam sido comprados com propina
O bloqueio de R$ 220 milhões em bens foi autorizado por outra Vara Federal de Curitiba, já que o pedido do Ministério Público faz parte de uma acusação por improbidade administrativa. Esse tipo de processo corre na esfera cível.
Justificativa para a prisão
A prisão de Eduardo Cunha já havia sido pedida pela Procuradoria Geral da República quando o caso ainda corria no Supremo. O pedido ficou por três meses aguardando decisão da Corte até que foi arquivado pelo relator do caso, ministro Teori Zavascki, no momento em que o processo foi enviado à primeira instância. Como Cunha não tinha mais foro privilegiado, Zavascki alegou que o Supremo não tinha mais competência para analisar o caso.
No despacho, Sergio Moro se antecipa a possíveis críticas sobre o momento da decretação da prisão preventiva de Cunha, que não foi definida pelo STF. Segundo ele, os motivos para a prisão decretada agora já existiam, mas ela não foi decretada porque um deputado federal só pode ser preso em flagrante. O juiz escreve que, com a perda de mandato, “não mais existem as amarras que impediram a tomada da decisão mais adequada pela instância superior”.
Justificativas para a prisão:
Poderia ocultar recursos de contas ainda desconhecidas
Tem dupla nacionalidade e poderia fugir
Perda de mandato não acaba com poder de intimidação de Cunha
“Enquanto não houver rastreamento completo do dinheiro e a total identificação de sua localização atual, há um risco de dissipação do produto do crime, o que inviabilizará a sua recuperação”
Juiz federal, em trecho do despacho que autoriza a prisão
Cunha alega que os argumentos usados por Moro já foram rejeitados pelo ministro Teori Zavascki no momento do arquivamento do pedido de prisão feito pela PGR. Em nota, Cunha classificou a decisão de Moro como “absurda, sem nenhuma motivação” e disse que vai recorrer.
O que há contra Cunha
Cunha é réu na Lava Jato porque o Ministério Público encontrou indícios de que contas secretas que ele mantém no exterior foram abastecidas com dinheiro de propina. Cunha teria recebido R$ 5 milhões em propinas de contratos da Petrobras, mais especificamente pela compra de um campo de petróleo no Benin. Isso lhe rendeu ainda um processo por improbidade administrativa, que corre na esfera cível em Curitiba.
O ex-deputado alega que as contas não estão em seu nome, e sim de um trust, mas ao aceitar a denúncia o ministro Teori Zavascki disse que isso é “absolutamente irrelevante para a tipicidade da conduta”.
O processo que levou Cunha à cadeia não é o único que ele responde no momento. O ex-deputado nega todas as acusações e se diz alvo de um processo político.
Procedimentos contra Cunha
Na Justiça do Rio
Na outra ação em que o ex-deputado é réu, ele é acusado de participar de um esquema de suborno para a compra de navios-sonda pela Petrobras. Como envolve também a prefeita de Rio Bonito (RJ), Solange Almeida, a denúncia foi enviada para a Justiça do Rio. Também no Rio há um inquérito que apura se Cunha teve participação em esquema de fraudes na usina de Furnas.
Na Justiça de Brasília
Há três frentes na Justiça Federal do Distrito Federal. Uma denúncia de recebimento de propina para a liberação de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS. A segunda é uma investigação já em andamento sobre suspeitas de que o ex-deputado teria negociado emendas parlamentares para favorecer o banco BTG, do banqueiro André Esteves. A terceira é um pedido de investigação sobre irregularidades na construção do Porto Maravilha, no Rio.
No Supremo
Cunha ainda tem um processo no Supremo em que é investigado por mobilizar aliados com o intuito de achacar o grupo Schahin para evitar a convocação de executivos em comissões de investigação na Câmara. A ação continua no STF pois envolve outros parlamentares como André Moura (PSC), líder do governo na Câmara.
Rumores sobre delação
A prisão abre espaço para a defesa de Cunha negociar uma eventual delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato. A proximidade de Cunha com políticos de diversos partidos e com o próprio presidente Michel Temer eleva a preocupação de integrantes do Planalto com a possibilidade de que ele fale o que sabe em troca da diminuição de uma possível condenação contra ele ou seus familiares, também investigados na operação.
O ex-deputado era aliado antigo de Temer. Mesmo afastado da presidência da Câmara, ele manteve influência política e indicou três aliados para compor o novo governo, quando o então vice assumiu temporariamente a Presidência no lugar de Dilma Rousseff, em maio.
“Se ele fizer uma delação, esse governo de Michel Temer não se sustenta por um dia”, afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da oposição ao governo Temer, na tarde de quarta-feira (19).
Em declarações passadas, o ex-deputado sempre negou ter intenção de fazer um acordo de delação. Quando cassado, em setembro, Cunha demonstrou insatisfação com o distanciamento do Planalto e prometeu escrever um livro para contar “todos os detalhes” do impeachment. “Não sou pessoa de fazer ameaça. A sociedade merece conhecer [o processo]”, afirmou.
Um eventual acordo de delação premiada não pode ser tornado público até que a Justiça oficialize a colaboração e se entender que o ex-deputado tem informações relevantes a oferecer. Caso ele se proponha a falar e cite outros parlamentares ou pessoas com foro privilegiado, as informações precisam ser remetidas ao Supremo, instância competente nestes casos. Na Corte, atualmente, há 105 investigados por suspeita de envolvimento na Lava Jato, a maioria parlamentares.
De articulador no Congresso ao isolamento político
A prisão do ex-deputado é um episódio marcante na atual crise política. Opositor declarado ao PT, ele teve papel central no impeachment de Dilma Rousseff e chegou a ser um dos parlamentares mais influentes no Congresso. No seu auge, contou com uma rede de apoiadores que reuniu ao menos 200 entre os 513 deputados.
A cassação interrompeu sua trajetória no Congresso, iniciada em 2003, quando foi eleito deputado federal pela primeira vez. Entre as consequências da cassação, está a interdição de Cunha para disputar cargos eletivos por oito anos. O prazo começa a ser contado em janeiro de 2019, quando se encerraria o mandato para o qual ele havia sido eleito, o que o torna inelegível até 2027.
Os 4 passos na trajetória de Cunha
Rede de apoio e oposição ao PT
Cunha formou uma base própria de apoio com deputados de diversos partidos, graças à intermediação de doações eleitorais e à negociação de postos estratégicos, como relatoria de projetos de lei e cargos em comissões da Câmara. Quando eleito presidente da Câmara, em fevereiro de 2015, ele impôs derrotas expressivas ao governo federal na Casa e tornou-se um dos principais opositores ao PT.
Figura central no impeachment
A força política somada ao seu discurso anti-PT fizeram de Cunha um personagem central para o avanço do impeachment contra Dilma Rousseff. Coube a ele aceitar o pedido de afastamento, em dezembro de 2015, que na época já contava com apoio de partidos de oposição a Dilma, de movimentos de rua e de parte do setor empresarial.
Habilidade jurídica
Cunha era um profundo conhecedor das regras internas da Câmara. O conhecimento técnico, aliado ao apoio de sua base política, fez com que o deputado conseguisse arrastar por 11 meses o processo de cassação contra ele no Conselho de Ética.
Isolamento político
Na medida em que a Lava Jato avançava sobre Cunha, no entanto, sua força política ruiu e os aliados não mantiveram apoio temendo desgaste diante da opinião pública. Na votação da cassação, ele perdeu o mandato por 450 dos 512 votos possíveis.
Via: www.nexojornal.com.br